segunda-feira, 20 de março de 2017

Chimpanzés, Escadas e Nosso Desprezo pela História



Nossa sociedade é a manifestação da ignorância sob vários aspectos. Abraçamos ideologias, defendemos ideais e rosnamos argumentos, por vezes débeis e vazios, como animais nervosos espumando pelo canto da boca mas, na imensa maioria dos casos, sequer conhecemos as bases e ignoramos, quase por completo, a história por trás de nossas bases morais, religiosas e políticas. Sobretudo o Brasil vive um tempo de descaracterização enquanto nossas sociedades e culturas sofrem golpes dilacerantes.
Em contra partida preceitos socio-culturais advindos de outras épocas, entenda-se advindos da Europa na época dos "descobrimentos" , permanecem nas entranhas de nossa sociedade mas, lembrando o problema citado no parágrafo anterior, tais preceitos sobrevivem sem que suas histórias sejam contadas; e, quando diz-se "contar suas histórias" , referimo-nos a todas as partes, tanto as ruins quanto as boas. De maneira a que todos nós possamos conhencer as razões de defendermos estes preceitos.
O resultado é que temos, por um lado, pessoas que defenfem conceitos, ensinados por seus pais, mas os quais desconhecem a história e, por outro lado, comportamentos que vão em total contrariedade aos reais objetivos destes mesmos conceitos. Bem.. se o texto parece difícil e paradoxal, vamos chamar os chimpanzés para nos ajudarem.






Um experimento realizado nos EUA poucos anos atrás refletirá perfeitamente a temática deste texto:
Quatro chimpanzés foram colocados em uma jaula onde havia uma escada com um cacho de bananas no alto. Um deles sobe a escada, pega as bananas e, imediatamente, os outros três levam um banho de água gelada. Em seguida um chimpanzé é trocado e a situação é, de novo, posta a prova, mas, desta vez, antes que o chimpanzé novo suba as escadas, ele é agarrado e espancado pelos três que já sabiam da água gelada. Novamente há uma troca de chimpanzés e, mais uma vez, aquele que se propõe a subir a escada é duramente surrado, sendo que, o chimpanzé que apanhou anteriormente sem saber o motivo, bateu com bastante entusiasmo. Na última troca apenas um chimpanzé que havia passado pelo teste permaneceu na jaula e, para a surpresa de todos, aqueles que não sabiam de nada foram os mais violentos durante o espancamento. Mesmo sem saber do que se tratava, os chimpanzés respondiam ao estímulo participando ativamente do exercício, apenas seguindo a situação e imitando uns aos outros.
Então o leitor pergunta-se:
Mas o que é que esse negócio de chimpanzés tem a ver com o assunto principal desta postagem?
A resposta... é muito simples.






Tal qual o comportamento dos chimpanzés, com o cacho de bananas no alto da escada, nossa cultura saboreia uma época, em que nossas ideologias são abraçadas sem questionamento, ou quase isso. Tendemos a separar aquilo que nos agrada, que nos serve e, de maneira muito prazerosa, varremos para "baixo do tapete" o que nos constrange, não gostamos ou nos incomoda. No entanto se vemos nossos semelhantes com comportamentos diversos ou, como gostamos de classificar, "exóticos" corremos a "espancá-los" mesmo sem compreender suas razões ou sua história.
O cristianismo, por exemplo, é a religião dominante de nossa sociedade ocidental, mas a grande ironia é que a imensa maioria dos cristãos desconhecem a história de sua fé, como ela surgiu, que caminhos tomou até chegar em nossas terras, quais são os conceitos básicos que fundamentaram esta fé, etc; de uma maneira geral todos tem uma noção de o que representa o deus no qual creem mas, de maneira inversamente proporcional, suas atitudes no cotidiano são totalmente contrárias as crenças que possuem acerca daquilo que, em tese, esperam e acham que este deus seja. Contudo, proclame-se não crente neste deus e, inadvertidamente, o tratamento para com você será mais ou menos parecido com a atitude dos chimpanzés e, também inadvertidamente, aqueles que mais lhe espancarão vão ser justamente aqueles que não possuem qualquer noção sobre a história de sua fé e, mesmo que você seja especialista no assunto em questão, seu conhecimento não terá qualquer validade.






O desprezo pela história de nossos conceitos e ideologias somado a percepção enganosa de que o mundo, a sociedade e a época em que vivemos reflete, fidedignamente, a verdade sobre a jornada humana nos dá a sensação de que somos melhores e estamos acima dos conceitos dos antigos. Mas a verdade é que vivemos uma miscelânea interminável de preceitos opostos, obscuros e carentes de completude. Como nos explica o sociólogo polonês Zygmunt Bauman vivemos "tempos líquidos" onde nossas práticas, ideologias e crenças não possuem bases firmes mas, tão somente a liquidez que escorre para lá e para cá e, tal qual é comum aos líquidos, mistura-se facilmente a qualquer outro líquido, ou, neste caso, qualquer outra ideia.
Enquanto permanecermos desprezando a importância da história de nossos preceitos, conceitos e instituições, permaneceremos como os chimpanzés, espancando os semelhantes, mesmo sem saber as razões de estarmos fazendo isso. E isso é, e sempre será, a pior estupidez que poderemos fazer.

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