quinta-feira, 8 de setembro de 2016

Idéias Filosóficas: Útil e Inútil




O homem é a sua essência, sua presença, seu caráter, suas idéias; o homem é o que representa de si mesmo.
De fato.
Do ponto de vista humanista, dos direitos humanos o homem é a manifestação de sua dignidade enquanto vivo, uma vez que a vida é, em verdade, seu bem maior.
Será mesmo?
O homem é sua dignidade? O homem é o seu direito a ser o quê lhe convém que seja?
Perguntas com respostas que possam ser um tanto quanto constrangedoras.
Na declaração de direitos humanos a manifestação "homem" parece ser algo de profunda nobreza e de qualificação fora da natureza.
De fato depois de Descartes, como nos lembra Edgar Morin: "..passamos a acreditar que somos criaturas antinaturais, ou melhor sobrenaturais.."
Com qualidades que ultrapassam, como o próprio Morin afirma:
".. o destino natural das coisas vivas..."
Desde então somos o máximo.
Fora da natureza, donos do cosmos, itinerantes, filhos de um criador espetacular que nos propiciará a imortalidade, única coisa que nos falta.
Certos de nosso destino colocamo-nos no patamar mais alto de uma escala, construída por nós e para nós, onde a máxima criatura somos ninguém menos que você e eu.
Agora acima de todos os outros animais e filhos de um deus supremo tornamo-nos insatisfeitos e, em nossa arrogância, precisávamos de mais.
E onde é que fomos buscar mais?
Em nós mesmos.
E passamos a controlar aqueles que porventura eram nossos semelhantes, em uma conduta de dominação negamos ao homem o direito de ser homem ou, como afirma novamente Morin:
".. não reconhecendo o humano no estrangeiro, ou afirmando que o escravo é uma ferramenta animada e, portanto, sem alma."
Chegando assim, depois se algum tempo, ao reino da utilidade.





A utilidade fez de nós (ou não seria melhor aflorou em nós?) criaturas seletivas e preconceituosas.
Nada do que é útil tem utilidade por natureza.
E que afirmação de difícil compreensão a primeira vista.
Como é que se explica que algo útil não é útil em natureza?
Para o filósofo brasileiro Clóvis de Barros Filho, em sua análise do também filósofo holandês Baruc Spinoza(ou Espinoza), a utilidade é tudo aquilo que nos faz usar algo em direção ao que realmente é util. Para entender tomemos o exemplo da escola.
Para quê e útil a escola primária? 
Ora para chegar a secundária, e para quê é útil a secundária?
Para chegar à faculdade, e para quê é útil a faculdade?
Para chegar ao emprego e ao bom salário, conforme o tempo em que vivemos.
Então podemos concluir que a utilidade dos diferentes graus de ensino está onde chegaremos com seu aprendizado, e não neles em si. Ou seja o valor deles não está neles mas, onde chega-se utilizando os mesmos.
Contudo nosso jogo de utilidades, de valoração do uso de certas coisas para o alcance de metas e a classificação do quê nos é útil não é, para o desespero de Morin, apenas para coisas inanimadas como a escola.
Negando ao homem a característica de homem passamos a usá-lo como meio para nossas metas. Tornando o homem mais uma coisa útil, terminamos por classificá-lo conforme sua serventia, ou valia, para nós.
Convencemos a nós mesmos que nossos "ismos" (entenda-se capitalismo, socialismo, cristianismo) são fontes inesgotáveis de sabedoria, reverência e respeito. Tratando todos aqueles que, estando abaixo de nós não compreendem bem estes conceitos, como ferramentas na obtenção de nossas riquezas.
Conceituando o termo "útil" como algo de valor quase nobre, encobrimos seu real significado:
Utilização da força alheia na busca de meus benefícios.






Então chegamos ao inútil.
Reverbera quase que como uma ofensa a palavra inútil. Pois algo inútil não serve para nada, não tem valor, não nos ajuda, não nos dá nada, não nos engrandece e não nos exalta. Todavia pode parecer constrangedor mas, tudo o que é inútil é aquilo que tem valor em si mesmo.
Em nossa sociedade massacrante nossos idosos são inúteis por natureza. Já cumpriram seu papel, já nos criaram e educaram segundo sua própria cultura, incutindo em nós nossas percepções primeiras do mundo ao nosso redor. Tão logo este aprendizado termina invertemos os papéis e, indiscutivelmente, trocamos o lugar de aprendizes pelo o de mestres dando a nossos idosos, outrora nossos cuidadores, seu próprio valor, ou seja, tornando-os inúteis, pois é o que eles são de fato.
Parece me absurdo que, assim como um livro antigo com linguajar ultrapassado, movamos nossos pais e avós para longe de nossos olhos pelo simples fato de que eles passaram a valer exatamente pelo que são.
Ter valor em si próprio é ser inútil, portanto descartável. Mas, nunca é demais lembrar, nosso mundo foi construído com tijolos que raramente conhecemos, sabemos que eles estão lá mas não compreendemos como, ou por quê, eles estão onde estão.
Morin nos alerta que primatas somos, embora as religiões nos tenham convencido de que isso é mentira. E deste convencimento vem a ideia de que somos muito além do que realmente somos.
Clóvis demonstra como abandonamos o real sentido, e significado, das palavras por meras mentiras confortáveis.
Fica a reflexão sobre o quê é útil e o quê é inútil, para aquele que, por ventura, ler este texto. Para finalizar relembro o que Clóvis de Barros Filho diz:
"Ao lhe chamarem de inútil não fique triste, pois estão tentando lhe dizer que seu valor está em você mesmo."
Ao que acrescento que em nosso mundo onde o que me serve é tão somente aquilo que me é útil, encontrar algo que tenha valor em si mesmo é extraordinário.

Referências:
Barros Filho, Clóvis de; Morin, Edgar: "O Paradigma Perdido da Natureza Humana"; Espinoza, Baruc;

2 comentários:

  1. Um texto magnífico, me lembrei da música do Ultraje a Rigor - Inútil.

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    1. "inútil, a gente somos inútil.."
      Bem da nossa época não é?
      Obrigado pelo apoio..

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